PROFESSOR: “DÁ UM JEITO PARA TUDO”

Desde que leciono na rede pública de São Paulo, como efetivo ou contratado, há mais ou menos 20 anos, sempre ouvi que os professores são os únicos que brigam para trabalhar, e dão um jeito para realizá-lo.

Nas últimas semanas de março e agora em abril, vejo eu e meus colegas descontentes com o trabalho, nisso algumas indagações vieram: por quê nos sentimos mais cansados, um clima mais pesado, desgastante, árduo? Assim, pensei em externalizar essa angústia, demonstrando nossa fadiga e gritando por ajuda, uma ajuda que a educação não tem há muito tempo. Esse desabafo pretende descrever situações em que o jeitinho do professor, com recursos próprios e muita criatividade, são usados para impedir que nossos alunos fiquem sem uma aula de qualidade, ou mesmo, quando temos que relativizar algum problema estrutural, para evitar mais desestímulo para os beneficiados desse trabalho, os alunos.

Moro e trabalho no interior paulista, aproximadamente 100 km da capital, aqui nesses dias de intenso calor, professores e alunos estavam derretendo nas salas de aula, pois muitos ventiladores estavam em mal funcionamento, quebrados ou eram insuficientes para o número de alunos. A poucos dias, a direção deu um jeito, com recursos próprios foi instalado mais ventiladores em algumas salas.

Outro ponto é a falta de sabonete nos banheiros, algumas vezes as escolas diluem o sabonete líquido para render mais e diminuir o custo, ou seja, dar outro jeito. Lembram dos idos anos da pandemia... se o sabonete é insuficiente, imaginem o álcool em gel 70%.

Indo para a estrutura das escolas, principalmente as do Projeto de Ensino Integral (PEI), são previstos laboratórios, sala maker e outros espaços para acolher e acomodar esses alunos e professores durante às 7 e 9 horas diárias. Mantendo o curso do descaso, não há laboratórios para as aulas práticas de biologia, química e física, e como extensão dessa realidade, menos ainda sala maker e local para acomodar todos os alunos e professores, principalmente em dias de chuva. Aí você pode estar pensando, o professor e a escola não fazem nada para resolver isso? Faz; usa um puxadinho, recursos próprios e alguns materiais recebidos pela escola. Porém, esses materiais foram armazenados de maneira inapropriada, devido falta de espaço, por exemplo. Assim os objetos podem apresentar alguma avaria, mal funcionamento, ou estão inutilizáveis mesmo. Os professores acabam por comprar os produtos com seus próprios recursos, usam o pouco que a escola pode oferecer e realizam a atividade de maneira improvisada, em sua mesa. Novamente o professor dá um jeito.

Aprofundando a questão dos professores de PEI, por ficarem 9hs na escola, muitas vezes pulam de um lugar ao outro buscando o local mais adequado para realizar sua Hora de Estudo. Isso ocorre porque não temos salas apropriadas para preparar nossas aulas, tarefas, avaliações, corrigi-las ou mesmo elaborar nossa demanda burocrática: planos de aulas, programa de ação, guias de aprendizagem, atualizar as plataformas e monitorar os acessos e realizações das atividades. Hoje, essas plataformas são: Centro de Mídias – SP (CMSP), Tarefas SP, Leia SP, Redação Paulista, Prova Paulista, Secretaria Escolar Digital (SED), Alura, Scratch, Matific, Khan Academy e o Escola Total ligada ao monitoramento do uso desses recursos. Entenderão! O professor e a escola têm que ter netbook, notebook, acesso à internet e fonte de energia, acessível e suficiente ao corpo docente e discente. Então, temos essas coisas? Algumas insuficientes e/ou irregulares, sem manutenção adequada – muitas vezes nós realizamos a manutenção a partir de vídeos no Youtube – e para não faltar a ninguém, priorizamos o uso fazendo escalas para as aulas dos professores que utilizam as plataformas. Novamente, damos um jeito.

No parágrafo anterior, citei sobre o monitoramento das plataformas, mas óbvio, não somos apenas nós que monitoramos, também somos monitorados. Nos vigiam pelos acessos as plataformas, uso dos slides, lançamento das informações na SED (Frequência, Registro de Aulas e notas), câmeras nas salas de aula e o "apoio presencial"- modelo onde a gestão acompanha as aulas para avaliar o trabalho do professor e ver se está empreendendo as exigências da atual administração. O mundo digital tem essa finalidade, por mais maravilhoso que seja, ele consegue exercer um controle muito maior sobre os indivíduos.

O monitoramento estabelecido aos alunos utiliza um sistema de farol. Como exemplo, citarei o monitoramento da presença dos alunos: vermelho quando o índice é menor igual a oitenta e um porcento (≤ 81%), amarelo, menor igual a noventa porcento (≤ 90%) e maior igual a 91 por cento, o verde (≥ 91%). O monitoramento e esse sistema de farol, gera um certo assédio, por sermos cobrados para atingir o indicativo verde, porém o aluno pode faltar 25% de acordo com as leis nacionais, ou seja, o indicativo de verde e sua porcentagem, deveria ser revisto ou estar explicito em lei estadual, como uma meta da secretaria da educação, e como seus profissionais serão cobrados por esse índice. O mesmo sistema de farol, também ocorre com os acessos as plataformas. Para atingir o índice “verdinho” damos um jeito – é obvio – a escola faz mutirões para os acessos atenderem o indicado pela Secretaria da Educação (SEDUC – SP); ocupando algumas aulas.

O “apoio presencial” nome que mascara seu verdadeiro objetivo, como dito antes, para averiguar o trabalho do professor e o cumprimento das aulas prontas dos slides que baixamos do CMSP. Cada aula pode conter de 15 a 30 slides, com um padrão de aula, citações e uma série de coisas interessantes, mas inviável para realizar no tempo de 45 minutos, ainda mais se contar com as dificuldades dos alunos, pois muitas vezes precisamos retomar determinados assuntos. Os itinerários formativos seguem os mesmos padrões e número de slides.

O último ponto desse manifesto, são os professores lecionarem disciplinas que não estão relacionadas diretamente a sua formação. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Currículo Paulista, propõem uma ideia de áreas e não disciplinas, como se alguém formado em História pudesse dar aula de Filosofia e vice-versa, isso são para todas as áreas. Os Itinerários Formativos são os mais nítidos do propósito dos professores “genéricos” de uma determinada área. São muito semelhantes as disciplinas tradicionais, mascaradas com outros nomes e professores não formados para lecionar. No meu caso, sou licenciado em História, leciono disciplinas na área de Filosofia e Geografia no itinerário, além de Tecnologia e Projeto de Vida. Para se ter uma ideia, das 28 aulas que ministro, apenas 12 são da minha disciplina de formação e 4 correlacionadas. A impressão que tenho, é que eles querem professores leitores e comentadores de slides, pois se não tenho a formação específica da disciplina, não tenho um domínio adequado para lecioná-la, mas óbvio que vamos dar um jeito... e vamos ministrar essa aula o melhor possível.

Assim, o estado e os professores a muitos anos ficam nesse processo de “dar um jeito”, penso que ´é indiferença, querem é apresentar dados mascarados – pela corrupção efetiva da existência do bônus –, ganhar eleições e continuar com esses projetos de puxadinhos na educação brasileira. Não importa a opinião efetiva dos professores. Entendo ser fundamental um projeto nacional de educação por um determinado tempo, sem costuras e improvisos a cada governo. Entendo que foi um erro a BNCC, mas concordo que deveria mudar o sistema escolar, não necessariamente o currículo. Temo que a desigualdade cultural e intelectual entre escolas privadas e públicas se tornem um fosso tão grande que acabe por estabelecer culturas segregacionista, podendo até formar castas. Gostaria que a educação no Ensino Básico – Ensino Fundamental (EF) e Ensino Médio (EM) – não fosse para o mercado de trabalho, mas sim para exercer a cidadania. Gostaria de ver meus alunos escrevendo manifestos, acompanhando a política, pressionando seus candidatos eleitos, exigindo melhores condições de vida. Essa liberdade de cobrança, deveria vir amparada por leis que impeçam perseguições e constrangimento de estruturas administrativas, ou seja, gostaria de vê-los agindo como cidadãos atuantes, e não massa de manobra ou números para eleger ou reeleger políticos com projetos de poder e não de Governo.

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